Era terça-feira.
Do altar ele a vê adentrar a igreja. Alta, esguia, aparentando trinta e poucos
anos. Chorava soluçando. Respirava profundamente. Ele apenas a observava cheio
de compaixão. Era o momento da exposição do Santíssimo.
Paramentado, o
religioso tentava se concentrar no momento sagrado, mas a pobre moça
roubava-lhe a atenção. Aquele alheio sofrimento causava-lhe desconforto.
De onde viria
aquela jovem senhora? Por que chorava tão desesperadamente?
Ao término do
rito diário, antes da missa das dezenove, o padre aproximou-se da mulher e
disse:
- Em que posso
ajudá-la, minha filha?
Não obteve
resposta. E insistiu:
- Moça, quer
conversar?
Ela fitou os
olhos nele, levantou a cabeça lentamente e caminhou rumo às escadarias, sem
dizer uma palavra.
O padre
permaneceu ali porque já estava próximo do horário da missa. Proferiu em voz
alta que Deus a abençoasse.
No dia seguinte,
ao arrumar o altar, viu novamente a moça entrando na igreja. Bem vestida,
aparentemente calma, ficou ali durante a oração ao Santíssimo. Calada, reflexiva,
em posição de oração. Às vezes o choro era silencioso e ininterrupto. Isso se
repetia pelo menos três vezes na semana.
Numa
quinta-feira, ao fim do ritual, ela permaneceu sentada. Desta vez, o padre
aproximou-se e, também calado, sentou-se ao seu lado.
Padre Pedro era
alegre, muito humano e solícito; por esse motivo, era muito querido pelos
fieis. Há cinco anos estava à frente daquela paróquia. Conseguiu arrebanhar muitos
dos católicos que estavam distantes das missas.
- Tudo bem, padre?
- Estou bem, com
a graça de Deus! E a senhorita? Há dias que a observo. Por que chora tanto?
Conversaram
durante vinte minutos.
- Ok! Procure-me,
então, na segunda, na casa paroquial, para a confissão.
- Combinado!
Segunda, às 17h30, padre. Eu irei.
Às segundas não celebrava
missas lá. Padre Pedro aproveitava o dia para organizar a casa paroquial,
descansar e, vez ou outra, atender alguma confissão. Lá tinha um terreno de
árvores frutíferas, onde colocava sua cadeira de balanço. Relaxava, fazia leituras
e apreciava estar mais próximo de Deus por meio da natureza.
Era manhã de um
cinco de outubro. Acordou cedo, organizou a casa, alimentou os animais. Fez
caminhada, almoçou. À tarde, deitou-se em sua rede no quintal. Adormeceu.
Acordou com o soar da campainha. Era a fiel que iria confessar-se.
O Padre foi até a
porta, convidou-a para entrar. A tarde estava muito bonita.
- Posso atendê-la
aqui mesmo? A igreja está fechada...
- Óbvio, padre.
Não há problema.
- Entre! Esteja à
vontade, filha.
Sem hesitar, ela
entrou, seguiu-o até o quintal. Ele ofereceu-lhe uma cadeira.
- Conte-me, minha
filha! O que a traz aqui?
- O senhor,
padre! – exclamou ela, ensaiando um riso com o canto da boca.
- Não entendi! –
manifestou-se ele, um pouco confuso.
- Pedro, você não
está me reconhecendo? - retrucou.
- Continuo não
entendendo, senhorita.
- Pedro, sou a Lúcia.
Como pôde se esquecer de mim? – indagou inconformada.
Com a cabeça
baixa, o padre não esboçava nenhum movimento.
- Não se recorda
de nossos entardeceres lá atrás da Matriz de Santo Antônio? - persistia a moça.
Foi você quem me tirou a pressa de ver a noite, que me mostrou a beleza cotidiana
do adeus do sol, lembra? Passei anos à sua espera... Ah, Pedro...
Padre Pedro ficou
estático. Com os olhos na direção do sol poente.
- Prossiga! – ordenou
ele, enrubescido, encarando-a rapidamente.
- Pedro, eu não
estou brincando! Veja essa tarde! É como as tardes em que nos encontrávamos. Há
anos choro todos os dias esse horário, quando me lembro do nosso esconderijo,
daquilo que poderia ter sido. Eu amava, e ainda amo, aquela incerteza... As
reticências do nosso passado, Pedro...
- Lúcia! – ele a
interrompeu.
- Diga, Pedro.
- Eu sou padre –
disse-lhe, tocando levemente e delicadamente a face.
- E aquelas
juras, Pedro? E nossas tardes cheias de poesia? Você me comparava ao crepúsculo,
lembra? Você não é mais aquele homem corajoso? Você me prometia a eternidade,
gostava de se deitar comigo na grama e olhar o céu alaranjado, aguardando a
chegada do cintilar da lua... Eu ainda te amo.
[Silêncio]
Lúcia saiu da
casa paroquial quando era noite. A tarde envelheceu e a moca foi-se embora a
pé, sem rumo, cambaleante.
Padre Pedro,
atabalhoado, passou a noite em claro. No dia seguinte abriria a Igreja às seis.
Às cinco e meia já
havia tomado o café. Pegou a chave e foi para a Igreja. Passou o dia ali. Às
dezessete e trinta começou a arrumar o altar. Estava inquieto. O horário da
exposição do Santíssimo se aproximava. Nem sinal da moça desta vez.
Padre Pedro a esperou
por dias, semanas e meses para conversar após o dia da confissão. Não tinha
nenhum contato para que pudesse chegar a ela.
- Senhor, Senhor!
Eu sei que tudo sabes! – orava o padre em uma tarde qualquer.
Durante muitos
dias, punha-se de joelhos e permanecia em misterioso silêncio. Os entardeceres de padre Pedro pareciam
cinzentos agora. As portas para a noite eram abertas sem surpresas. Nas orações,
pedia a Deus sabedoria.
Seguiu com sua
vida na paróquia.
Cerca dez meses
depois, Lúcia apareceu em um começo de tarde. Padre Pedro ainda estava na sacristia.
Ao reconhecê-la, lá de dentro, veio ao seu encontro. Parou, encarou-a e disse,
com um tremor característico na voz:
- Lúcia, quanto
tempo! O que a traz aqui?
Lúcia respirou
fundo, apontou para o cesto próximo aos seus pés e sorriu:
- Oi, Pedro!
Quero batizar o bebê.
Noooooooooossa, que lindo!Adorei .Bem bolada! Escreves e nos prendes! bjs, chica
ResponderExcluirObrigada, Chica! Um abraço! Volte sempre!
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